A Rua da Praia nasceu junto com a capital gaúcha. Seu traçado, à beira do Lago Guaíba, foi certamente um ponto de encontro dos sessenta casais de açorianos que formaram, a partir de 1752, o núcleo original de Porto do Viamão.
No século seguinte, a via continuou mantendo o nome, mas o povoado ia sendo rebatizado de tempos em tempos. Primeiro foi Porto de Casais e depois, como hoje, Porto Alegre. Fosse qual fosse o nome, a praia continuava a ser um ponto de referência local.
Viajantes como Nicolau Dreys e Robert Avé-Lallement fizeram registro dela em seus apontamentos, e o famoso botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) disse que era “extremamente movimentada, com lojas muito bem instaladas de vendas sortidas e oficinas de diversas profissões”.
Como vereadores costumam ter obsessão por mudar nomes de ruas, um decreto da Câmara Municipal em 1865 transformou-a da noite para o dia em Rua dos Andradas. Houve protestos. No coração do povo, ela nunca deixaria de ser a Rua da Praia.
Por causa da localização, sua vocação sempre foi, é e será comercial, mas, ainda no século XIX, a via ganhou uma nova característica: passou a ser palco de grandes reuniões públicas. Tantas passeatas, protestos e manifestações culturais aconteceram no encontro dela com a Avenida Borges de Medeiros, que o cruzamento foi tombado pelo município em 1997. Ganhou, também, um nome próprio: Esquina Democrática.
Um dos milhares de frequentadores desse ponto da cidade é o senhor Antônio Zanettini. E há mais de quatro décadas. A rua movimentada não assusta, apesar de a mobilidade não ser a mesma e ele apresentar as limitações naturais de um octogenário.
Zanettini nasceu em Veranópolis no ano de 1941, crescendo no ambiente calmo e no clima fresco da Serra Gaúcha. Lá também deu início à carreira: “No dia 1o de setembro de 1968 me tornei funcionário público federal”, lembra. “Nesse dia comecei a trabalhar no Departamento de Correios e Telégrafos. Era departamento, não empresa como hoje.”
Em 1975, porém, foi solicitada sua transferência para Porto Alegre. Um novo capítulo se abria, e o morador da serra teve que se adaptar ao burburinho da metrópole. Não foi difícil. Em pouco tempo as ruas do Centro passaram a fazer parte da sua vida.
Na capital, Antônio morou por vinte anos em duas residências oferecidas pela estatal antes de adquirir seu imóvel. Ele era o encarregado de telecomunicações da companhia, cuidando do conserto dos aparelhos e da Central Telefônica. “Eu era o especialista, esse assunto era comigo.” Sua vida profissional se prolongou por “trinta e nove anos seis meses e seis dias”. Não que ele tenha contado.
Já aposentado, Antônio goza de boa saúde, mas passou a consumir alguns remédios. Foi então que es- colheu a Raia da Rua dos Andradas como seu destino predileto para esse fim. “E olhe que eu não moro perto”, ele diz. “Faço uma viagem de ônibus de mais de 45 minutos só para chegar lá.”