Ana e Maria contam que, quando eram pequenas, seu avô Manoel Fernandes Gomes saía a passeio com elas e, ao chegar a um local próximo ao porto de Belém, dizia algo como: “Foi ali que passei a primeira noite quando cheguei de Portugal”.
A imagem do avô dormindo ao relento já era forte, mas ele não parava aí: contava que seu dinheiro dava somente para uma refeição, e que se não arranjasse trabalho no dia seguinte não teria o que comer. Despojamento e tenacidade: ele queria transmitir esses valores.
Na época dos tais passeios, porém, sua situação já era melhor. Empresário, tinha construído com a ajuda da esposa, Hortência, uma bela casa no bairro Umarizal. Elas e seus irmãos viveram ali por anos e lembram de grandes encontros familiares e algumas traquinagens.
“Eu adorava subir no telhado e ficar olhando a Baía do Guajará. Pena que um dia nossa mãe descobriu isso. Aí acabaram-se as escaladas.”
A casa abrigou dúzias de casos assim. Quando os avós e os pais faleceram, elas e seus irmãos já estavam todos casados. O imóvel vinha sendo alugado, até que um representante da Drogasil ligou mostrando interesse na locação. Tomando a frente nas negociações, Maria lutou para manter o aspecto do local. “É uma casa repleta de memórias e achei que deveríamos preservá-la da melhor maneira possível.”
Uma concessão aqui, outro consentimento ali, e, muitas conversas depois, o resultado acabou por ser do agrado das partes. “É com ações desse tipo que uma sociedade acorda para a valorização e a preservação da história”, reflete Maria.
Assim como a casa do Umarizal, há mais de quarenta construções semelhantes no entorno da Praça Cônego Batista Campos. Nesse local histórico da cidade, a propósito, a Drogasil restaurou outra bela edificação. Um pouco mais antiga, de uma época anterior da expansão do centro de Belém, a casa tem pé-direito alto e porão baixo com aberturas ovaladas, que garantiam a ventilação nos antigos assoalhos. Um repertório de elementos, desenhos e formas se repete nos frisos e nos relevos, resgatando a estética da época.
Outra farmácia que leva a uma viagem no tempo na capital paraense e reflete as ondas de expansão da cidade é o casarão da Rua Gentil de Moura, no bairro de Nazaré, notável construção que ficou abandonada por um quarto de século. A gerente administrativa Tatiane Miranda da Silva fala da má impressão que tinha ao olhar para o imóvel: “Lembrava uma locação de filme de terror. A gente parecia estar vendo uma casa mal-assombrada”.
O imóvel pertenceu à família Moura Palha, que tem como representante ilustre Maria de Fátima Palha de Figueiredo. Ou, se for mais fácil, Fafá de Belém. Embora não tenha morado lá, a cantora empresta notoriedade ao local e quase todo mundo se refere a ele como “a Drogasil da Fafá de Belém”.
Antigamente a família alugava o espaço para eventos como formaturas, festas e casamentos, e muitos belenenses, como o senhor Jair Queiroz, viveram momentos marcantes ali. Ver a casa restaurada o deixou tão feliz que toda semana ele faz questão de levar um litro de açaí com peixe para a equipe da farmácia. Infalivelmente, ele chega e diz: “Isso é por vocês não terem deixado essa obra de arte ser destruída”.