Há mais libaneses morando no Brasil do que no Líbano. Esse dado, espantoso a princípio, fica mais aceitável quando nos lembramos que essa saga começou em 1880, quando o primeiro navio deixou o porto de Beirute a caminho do Rio de Janeiro.
Essa é uma história que tem milhares de ramificações. Uma delas é a do imigrante Simão Miguel da Silva, que, já com nome aportuguesado, chegou sem um tostão no bolso para tentar a sorte, primeiro em Sarandira e depois em Maripá, localidades vizinhas a Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. Era o início do século XX.
Simão trabalhou duro e conseguiu enfim comprar uma propriedade na qual criou gado, porcos, galinhas, e teve, é claro, a indefectível venda na qual comercializava tecidos, alimentos a granel e uma cachaça de fabricação local. Até uma bomba de gasolina ele instalou na fazenda, serviço útil para vizinhos e viajantes. Nas horas de descanso ajudava a esposa, Mariana Bittencourt, a cuidar dos filhos do casal. Eram dez.
A vida na fazenda em Maripá era amena e confortável, mas volta e meia Simão se via obrigado a ir à cidade para fazer negócios, resolver problemas burocráticos, tratar da saúde e mesmo para momentos de lazer. Para diminuir o cansaço do vaivém, comprou um imóvel no cruzamento das Ruas Santo Antônio e Benjamim Constant. Um lugar bem localizado e, à época, tranquilo.
“A casa tinha dois andares e um quintal espaçoso”, lembra Janete Azzi Korkmaz, neta de Simão. “O primeiro piso era avarandado, e a cozinha, a copa e os cinco quartos eram enormes. Havia uns vitrais lindos também, que eu não me cansava de admirar.” Quando dona Janete completou três anos, seus pais, Anício Azzi e Almerinda Silva Azzi, se mudaram para lá.
Foi o princípio de uma história longa e feliz. “Como era um posto avançado da família, a casa vivia lotada de tios, tias, primos e primas. O entra e sai não parava. A mesa estava sempre posta, e a gente vivia em um clima constante de reunião familiar.” Momento marcante foi o dia de seu casamento civil, em 1970, quando todo o clã se deslocou para a casa e um grande e animado almoço foi oferecido no dia seguinte.
O tempo passou, porém, e as coisas se transformaram. Janete mudou de endereço e a casa passou a exigir cuidados trabalhosos para sua conservação. Os familiares adquiriram seus imóveis aos poucos e as reuniões escassearam. Cansada, dona Almerinda resolveu alugá-la.
Sucessivos inquilinos passaram por ali até que em 2019 a Drogasil fechou um contrato que, entre outras coisas, previa a demolição da propriedade. Dona Janete ficou dividida. Por um lado, queria mantê-la; por outro, reconhecia que ela exigia uma atenção difícil de ser dada nos tempos atuais. “
Mas então Deus foi bom conosco”, comemora ela. “O pessoal da Drogasil me ligou dizendo que eles estavam com um projeto de valorização do patrimônio arquitetônico, e que nossa casa tinha sido escolhida para ser preservada.” Assim, um pouco mais da história da cidade e da família Azzi pode continuar sendo contada.