Vista com os olhos da razão, uma construção não tem vida. É um aglomerado de ferro e cimento coberto por telhas de barro, nada mais. Mas esse é só um ponto de vista. Para os olhos da poesia, casas e prédios são companheiros que nos seguem pela vida. Dali do seu posto nos observam; em seu interior, abrigam nossas histórias.
Alfenas foi fundada em 1869, mas só a partir da década de 1920 seu centro se desenvolveu. Ganhou saneamento, iluminação elétrica, um belo casario e, em 1943, um cinema: o Cine Alfenas.
A obra foi tocada pelo cafeicultor Juscelino do Prado Barbosa, que sonhou construir na Praça Getúlio Vargas uma sala que se igualasse às melhores do país. Reza a lenda que fretou um trem para 150 pessoas do Rio de Janeiro somente para assistir à inauguração. O destaque da noite foi um drama musical estrelado por Walter Houston. Chamava-se Sempre no meu coração.
O engenheiro-arquiteto José Roberto da Cunha Nobre não estava lá nesse dia, mas cresceu tendo o prédio por companhia. Ele e milhares de alfenenses. “A pessoa nascia, vivia e morria naquele entorno.” Brincando, ele fala uma verdade.
Depois de serem dados à luz, os munícipes iam ser batizados na igreja, em frente ao Cine. Alguns anos depois, brincavam de pique, velocípede e bicicleta na praça. Na hora dos estudos, passavam por ali a caminho da escola, e na juventude, depois do clássico footing, iam à matiné do cinema com as namoradas. “Chegava uma hora eles baixavam a porta e a fila de quem estava comprando ingresso se misturava com a dos que já tinham comprado. Era uma confusão divertida.”
O cinema continuou exibindo ali as chamadas fitas por um tempo, mas o local também abrigou outras atividades. Ainda foi a sede da Rádio Alfenas, da sorveteria Caiçara, de uma lanchonete e de uma boate onde José Roberto trabalhou e viu festas inesquecíveis.
Em 2003, a Drogasil se instalou no local, preservando as características da construção e abrindo novo capítulo para as memórias. Dessa vez o prédio ia fazer parte da história de uma farmacêutica industrial da vizinha cidade de Divisa Nova.
Mayra Vieira Garcia Figueiredo trabalhou ali de 2012 a 2020. “Tenho saudades daquele tempo. As pessoas eram gentis e afetuosas. Quando fiquei grávida do meu segundo filho recebi uma enxurrada de bilhetinhos, caixas de banana, caixas de bombom e um envelope com dinheiro. Recebi até um terço de Nossa Senhora que um senhor trouxe especialmente de Aparecida.”
Mayra perdeu a conta das vezes em que os clientes, sobretudo os idosos, entravam ali e não compravam nada. Só ficavam olhando para os lados e se entregando às recordações: “Alguns chegavam perto de mim e falavam: ‘Assisti muito filme do Mazzaropi aqui’. Outras vezes vinha gente só para tirar foto da porta, do mármore do chão e dos lustres. Dava para sentir que esse lugar marcou a vida das pessoas”.